Ao pé de qualquer outra série cá do burgo, “Sara” faz figura de Ferrari junto de um Lada. Eurico de Barros dá cinco estrelas à nova série da RTP2.
★★★★★
Não tivesse Sara outras qualidades, bastar-lhe-ia, para entrar na história da televisão em Portugal, a certeira, desopilante e arrasadora sátira ao mundo das telenovelas que contém na sua narrativa. Mas Sara, realizada por Marco Martins em estreia no pequeno ecrã, escrita por este, Ricardo Adolfo e Bruno Nogueira (que teve a ideia original), e com Beatriz Batarda no papel do título e a fazer televisão em Portugal pela primeira vez, tem muitas outras qualidades. Que fazem dela o equivalente de uma revolução na nossa paisagem televisiva. A partir de agora, Sara será a bitola (altíssima) pela qual se passará a medir a ficção portuguesa para televisão. Passa a haver um AS (Antes de Sara) e um DS (Depois de Sara).
Pensada, escrita e rodada como cinema (Marco Martins é o autor dos excelentes Alice e São Jorge) por um grupo de pessoas que, trabalhando umas mais nos filmes, outras em teatro e outras em televisão, juntaram aqui talentos e experiências nestas várias áreas, Sara apresenta, da primeira à última sequência dos seus oito episódios, uma superior qualidade de execução, de unidade e de harmonia visual, narrativa, dramatúrgica e de interpretação; uma impecável coexistência de registos (comédia, paródia, farsa, tragédia), e uma total verosimilhança das situações, da realidade encenada e das personagens, sejam mais veristas ou mais caricaturais e surreais.
Ao pé de qualquer outra série cá do burgo, Sara faz figura de Ferrari junto de um Lada. E há ainda Beatriz Batarda, que incarna Sara Moreno de forma assombrosamente brilhante, sem uma falha de gesto, expressão ou tom, ao longo do tragicómico calvário desta actriz a quem secaram as lágrimas e que parece uma bola de flipper entre confusões e perplexidades profissionais, dramas familiares, safanões emocionais e convulsões íntimas. Sara é uma criação televisiva única e de ruptura, com uma interpretação magistral a irradiar do centro.
Eurico de Barros,