Partindo de uma ideia original de Bruno Nogueira, a Ministério dos Filmes produz um enredo que junta doses certas de humor, drama e um oceano de carinho.
A um episódio de deixar saudades, SARA é já um marco no ano televisivo. A série que tem estado em destaque nas noites de domingo, na RTP2 (e disponível no RTP Play), contém um riquíssimo argumento, onde há espaço para diversos momentos de comicidade, algum drama, determinados atalhos enigmáticos e imensa ternura. A maneira inteligente como junta a faceta intelectual ao lado corriqueiro da vida, mostra que a obra é muito mais que uma magnífica série portuguesa.
Com estes atributos e as adaptações necessárias, merecia virar franchising noutras paragens e os oitos episódios deviam estar disponíveis na gigante Netflix. Certamente, a produtora Ministério dos Filmes e os autores, Ricardo Adolfo (escritor), Marco Martins (também realizador) e Bruno Nogueira (que esboçou a ideia original e encarna um life coach manhoso), não rejeitariam ambas as possibilidades.
A revoltada, o garanhão “Brent” e o aconchego da serenidade.
A actriz consagrada no meio cinematográfico e teatral, Sara Moreno (a arrojada e eloquente Beatriz Batarda com algo de autobiográfico?), está no centro do enredo. Durante a rodagem de um filme de época, não consegue desbloquear uma cena devido ao pedido habitual de quem a contrata: que chore. A partir daí, o espectador acompanha a sua rotina pessoal e vê a revolta da própria para com o estatuto que foi granjeando ao longo da carreira (ver clip acima)
Ao tomar a decisão radical de entrar no circo das telenovelas, acedemos a várias caricaturas desta indústria e rendemo-nos ao papel de Nuno Lopes. João Nunes é o garanhão de serviço, um narcisista compulsivo nas redes sociais, uma espécie de “David Brent” à portuguesa com vários apontamentos pitorescos (aproveitando a boleia de Ricky Gervais, há cheirinhos de Extras nas conversas trocadas nos bastidores). O dono da tirada “Lá isso é verdade!”, faz-nos rir através das tentativas de seduzir Sara, pelo desejo de querer sobressair os músculos em cada filmagem, ou quando confidencia que o pai lhe partiu uma cadeira nas costas. Simplesmente hilariante.
Em SARA, as impecáveis prestações individuais, também acontecem na linha secundária. Inês Aires Pereira e Cristovão Campos, são dois casos exemplares. Ela na pele de uma jovem estrela das novelas à procura de melhorar o seu acting, ao mesmo tempo que “fact$ra” com presenças na discoteca e posts no Instagram; o segundo, ao desempenhar um realizador excitado após cada take gravado. Dois “bonecos” perfeitos.
A complexidade do guião chega, invariavelmente, através do misterioso “agente” desenvolvido pelo talento de Albano Jerónimo. Preferindo não revelar o seu significado e tendo em consideração os que ainda não viram a série, somente adianto que lembra passagens de Mr. Robot e do filme Fight Club. Já estou a dizer muito…
O binómio comédia-drama (ver trailer acima), tem na vida privada de Sara Moreno o factor-chave para explorarmos a inquietude da sua alma e os fantasmas que carrega. Ela é solteira, dá umas “trancadas” com o vizinho-músico (num repertório baseado nas canções de B Fachada), tem a melhor amiga lésbica sempre pronta para lhe dar boleia (Rita Blanco) e um pai adoentado e “mudo” (António Durães). Quando visita regularmente o progenitor, além de escutarmos a escrita dele (que, na verdade, corresponde a excertos de A máquina de fazer espanhóis, de Valter Hugo Mãe), o aconchego da serenidade toma conta do ecrã.
Que bem nos sentimos na companhia de SARA.
Nota final – A banda sonora escalada é um mimo e inclui, entre outros, temas de Bob Dylan, Chico Buarque, Portishead, Paul Simon & Garfunkel, Xutos & Pontapés e Aldous Harding.
Carlos Reis,